A vida de escritor e olhar ao Brasil nortearam o bate-papo com Itamar Vieira Jr, autor de ‘Torto Arado’

Uma das noites mais aguardadas do Livro Livre foi marcada pelo bate-papo online com Itamar Vieira Jr., que ocorreu na noite desta quarta-feira. Na conversa, mediada pela jornalista Vanessa Backes e pelo professor de filosofia Andrei Cerentini, o autor de ‘Torto Arado’, obra vencedora do Prêmio Jabuti de 2020, falou sobre o Brasil que ele conheceu através de memórias e vivências, seu processo criativo e a relação com o público, que muitas vezes se reconhece na sua narrativa.

A conversa virtual iniciou com Vieira Jr. destacando a longevidade da Feira do Livro de Santa Maria, e ressaltou que, pelas 48 edições, o público de Santa Maria preza pela literatura. Em seguida, o escritor falou a respeito de ‘Doramar ou a odisseia’, sua obra mais recente, publicada em 2021, composta de contos curtos, com histórias escritas antes e depois de ‘Torto Arado’. “O livro está podendo encontrar os leitores. Daí que veio esse desejo antigo de ver essa história circular. E para quem leu ‘Torto Arado’, é mais uma oportunidade de ler coisas novas do autor”, comemora.

Geógrafo, doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia e funcionário do INCRA, Vieira Jr. falou sobre a relação da literatura e a academia em sua vida profissional. “A ideia de ser escritor nunca foi bem acolhida em casa. Meus pais viam os livros como algo de pessoa sonhadora. A partir dali eu passei a viver uma vida dupla, com muito interesse pela literatura enquanto trilhava outros caminhos”, declara.

Após ter lido todos os livros de ficção da escola, o romancista passou a ler os de geografia, justificando sua escolha acadêmica e a conciliação dos dois interesses. Citando Erico Veríssimo, nascido em Cruz Alta, ele salientou que há muitos autores que produzem no Brasil, sendo pouquíssimos aqueles que vivem da literatura. “Grande parte precisa fazer outras coisas para manter esse sonho de pé. Comigo não foi diferente. Por isso as coisas caminharam nesse sentido. Hoje eu observo assim, que não houve tempo perdido. Tudo que a gente se dedica a aprender, de alguma forma, ajuda a formar a pessoa que escreve”, afirma.

Sobre a atividade de escritor, Itamar destaca que essa ainda não tem se sobreposto às demais, mantendo a rotina de trabalho. Questionado sobre a influência de sua ocupação no INCRA na construção de ‘Torto Arado’, o autor confessa que a concepção da história surgiu na adolescência e foi inspirada pela literatura que leu naquele momento, principalmente por escritores nordestinos que publicaram nas décadas de 1930 e 1940 sobre a realidade do país. Após ter abandonado o projeto, 20 anos depois, foi por meio do seu trabalho que teve contato com o Brasil que havia conhecido lendo. “Embora exista nesse romance muito de uma memória familiar, com tudo que meu pai me contou, isso só se tornou algo concreto quando pude ver no campo que aquilo existia, aquela forma de trabalhar, viver e pensar. ‘Torto Arado’ não teria a densidade que tem se eu não tivesse tido essa experiência”, constata.

Ao falar de seu processo produtivo, reconhece a escrita como uma etapa de toda criação, sendo ela a etapa final, havendo todo um contexto de imaginação que a antecede. Sobre seus personagens, é quando a redação ocorre que eles ganham vida: “Quando a gente termina de escrever, os personagens nos deixam. Eles passam a encontrar os leitores, sendo eles que nos trazem notícias desses personagens”, reflete.

O escritor atribui o sucesso de ‘Torto Arado’, com mais de duzentas mil cópias vendidas ao contexto de desenvolvimento do Brasil, onde uma urbanização tardia contribuiu para a memória do campo ainda existente na sociedade. A intenção, manifestada na escrita do livro, foi exatamente de falar sobre o país que ele tinha conhecido aos brasileiros. “Eu acho que a luz da literatura está justamente nos sentimentos das personagens. E a gente vai se conectando com elas por termos muito em comum”, acrescenta.

Questionado a respeito de sua relação com a crítica literária, o geógrafo disse que nem elogios nem críticas fazem bem, enfatizando que deixa de lado a crítica, e se importa apenas com o contato com seus leitores.

Por problemas técnicos, a live com Itamar Vieira Jr. não teve seus minutos finais transmitidos. O escritor agradeceu a participação do público e a oportunidade, frisando que não abre mão de, em outra oportunidade, vir pessoalmente a Santa Maria.

A Feira do Livro ocorre até 16 de outubro, com programação híbrida na Praça Saldanha Marinho, no Theatro Treze de Maio e nas redes sociais da Feira. Na noite de 7 de outubro o Livro Livre será dedicado à Noite do Patrono. O público poderá acompanhar a homenagem pela transmissão nas redes sociais da Feira do Livro de Santa Maria.

 

Texto: Nathália Arantes – acadêmica de jornalismo da UFN

Jornalista responsável: Liciane Brun – MTB 16.246