Laurentino Gomes no Livro Livre: “Escravidão é ou deveria ser assunto de todos nós brasileiros, independente da cor da pele”

Autor das premiadas obras “1808”, “1822” e “1889”, que resgatam detalhes da história brasileira, o jornalista e escritor paranaense Laurentino Gomes foi o convidado do Livro Livre deste domingo, dia 04, na Feira do Livro de Santa Maria.  Nesta 47ª edição, o bate-papo foi realizado de maneira virtual sob a mediação da jornalista Vanessa Backes e pelo professor de filosofia Andrei Cerentini.

Bate-papo com Laurentino Gomes - Foto: Ronald Mendes
Bate-papo com Laurentino Gomes – Foto: Ronald Mendes

O pesquisador falou sobre a última obra, “Escravidão: Do Primeiro Leilão de Cativos em Portugal até a Morte de Zumbi dos Palmares”, livro lançado em setembro de 2019 pela Globo Livros. A obra  faz parte da nova trilogia de livros-reportagem do autor e resgata a história da escravidão no Brasil.

De acordo com o escritor, a escravidão é o assunto mais importante da história do país. Ele explicou que o Brasil foi o maior território escravista do hemisfério ocidental, com quase cinco milhões de africanos escravizados sendo trazidos ao longo de 350 anos. Ainda elucidou que todos os ciclos econômicos, como o café e o algodão, foram construídos por mão de obra escravizada.

–  A escravidão é esse fio condutor que liga tudo. Tudo o que nós fomos no passado, o que nós somos hoje, mas também o que nós seremos no futuro tem relação com a escravidão.

Os legados deixados pela escravidão também foram apontados por Laurentino Gomes, que abordou sobre a desigualdade social e o racismo:

– Todos os indicadores sociais brasileiros mostram que há um desnível de oportunidades e de qualidade de vida, de assistência dos serviços públicos entre os brancos descendentes de europeus e os descendentes de escravizados. Um outro traço é o racismo. Nós criamos alguns mitos no passado de que seríamos uma grande democracia racial.

Bate-papo com Laurentino Gomes - Foto: Ronald Mendes
Bate-papo com Laurentino Gomes – Foto: Ronald Mendes

O pesquisador relatou sobre o desafio de contar a história a partir de registros de quem escravizou, como de capitães de navios negreiros, viajantes estrangeiros e de missionários jesuítas. Ainda destacou a escassa narrativa oriunda das pessoas vítimas da escravidão.

– Quando junta tudo isso e vai confrontando todas essas fontes, o que emerge é uma tragédia tão grande, tão grande, tão grande que não dá para você limpá-la, de você tirar o componente de sofrimento e dor que tem nessa história.

A conversa também trouxe os processos de produção de livros. O jornalista contou que primeiro volta-se à bibliografia produzida sobre o tema e depois viaja para conhecer os locais onde os fatos aconteceram.

Para a produção da primeira obra da trilogia “Escravidão” foram realizadas cinco viagens que resultaram em visitas à oito países africanos, em 2017.

Laurentino Gomes também foi indagado por Vanessa quanto ao lugar de fala, isto é, se ele teve receio sobre pesquisar e escrever sobre a escravidão por ser um escritor branco. O autor premiado comentou que busca se colocar num campo intermediário, com olhar atento às narrativas de diferentes fontes. Ele também afirmou que seria uma omissão não abordar o tema.

Bate-papo com Laurentino Gomes - Foto: Ronald Mendes
Bate-papo com Laurentino Gomes – Foto: Ronald Mendes

– A minha condição de homem branco, de certa forma,  limita o meu olhar. Eu nunca passei pela história de dor e sofrimento de um homem negro no Brasil. De um garoto que, na adolescência, ao sair de casa para trabalhar num bairro da periferia do Rio de Janeiro e de São Paulo leva “uma geral” da polícia só pelo fato de ser negro. Eu nunca passei, mas posso falar sobre ela. Escravidão é ou deveria ser assunto de todos nós brasileiros, independente da cor da pele.

O primeiro volume aborda um período de 250 anos, que envolve o primeiro leilão de cativos africanos registrado em Portugal, em 1444, até a morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.

Os dois volumes que darão continuidade a trilogia são direcionados ao século 18, período auge do tráfico de escravos, e ao movimento abolicionista que resultou na Lei Áurea. O resgate histórico ainda aborda o legado da escravidão.

Perdeu o Livro Livre com Laurentino Gomes? Assista ao bate-papo no canal da Feira do Livro de Santa Maria no Youtube. Também já estão disponíveis as edições realizadas desde o primeiro dia da festa literária: com a filósofa Djamila Ribeiro e com o psicólogo clínico Rossandro Klinjey.

 

Texto: Jornalista Letícia Sarturi (MTb 16365), especial para a Feira do Livro.

 

Fotos manchete/matéria: Ronald Mendes