“O Avesso da Pele” coloca o racismo em pauta no Livro Livre
A noite do Livro Livre desta segunda-feira (26) foi dedicada ao debate sobre a obra “O Avesso da Pele”, do autor Jeferson Tenório. O livro venceu o Prêmio Jabuti, em 2021, na categoria “Romance Literário” e aborda a identidade e as complexas relações raciais, sobre violência e negritude. O Grupo de Leitura Ler o Brasil analisou a produção a partir do ponto de vista histórico e psicanalítico. Maria Rita Py Dutra, Carla Rossi, Nilva do Nascimento, Daniela Santos, Beatriz Pontes, Ívi de Carvalho, João Heitor Macedo e Kalu Flores participaram do debate no Theatro Treze de Maio.
A professora Maria Rita Py Dutra iniciou a fala compartilhando como surgiu o grupo e o que levou a leitura do livro de Jeferson Tenório. “Há mais de um ano, eu e Heitor tivemos a ideia de criar o grupo de leitura, para apreciar e compartilhar leituras autorais femininas brasileiras ou latino americanas. A censura que ‘O Avesso da Pele’ sofreu nos levou a ler a obra. O livro me tocou muito, é difícil, pois o autor conversa com três personagens diferentes e fala da despedida da morte de seu pai”, explicou Maria Rita.
Dando continuidade ao Livro Livre, cada integrante do grupo trouxe uma reflexão sobre a obra. Carla Rossi avaliou a leitura como uma grande obra da literatura brasileira contemporânea.
“Uma parte que me chamou muito atenção foi uma passagem que fala de identidade, que demonstra a questão de ‘quem sou eu’ e ‘porque não ocupo certos espaços’. A obra aborda questões raciais, sobre violência e relação familiar. É possível acompanhar a jornada de autoconhecimento dos personagens e a luta para se afirmar como indivíduo dentro de uma sociedade que geralmente os marginaliza”, comentou Carla.
A psicóloga Nilva do Nascimento avaliou o livro do ponto de vista da psicanálise. “A obra é uma escrita que sai da superfície e chega no avesso. O texto é bem estruturado em termos de linguagem literária. É um romance muito fácil de se identificar e perceber os personagens lidando com suas questões. Muitas vezes, os personagens estão juntando seus pedaços e se reconstruindo. Podemos observar as relações entre pai e filho, homem e mulher, e a cidade também como personagem hostil. O racismo aparece de forma descritiva e seus efeitos reverberam na vida social e pessoal”, analisou Nilva.
Já a participante Daniela Santos citou a polêmica em torno da obra. O livro chegou a ser proibido em escolas de, ao menos, três Estados por conta de trechos que abordam relações sexuais. A integrante do grupo de leitura criticou a censura.
“Falaram que a sexualidade foi excessiva no livro e que os professores ficaram nervosos de falar sobre o assunto com adolescentes. Porém, diariamente, falamos e consumimos muita sexualidade. Esse não é o ponto principal do livro, há outras coisas mais importantes que nos levam a pensar sobre raça e como isso foi construído neste país. O livro é sobre entender como o racismo atua no Brasil”, pontuou Daniela.
No entendimento da pedagoga Beatriz Pontes, a obra instiga o leitor a pensar o seu lugar na sociedade e o que é viver à margem e sofrer racismo estrutural: “A escrita do autor é um convite para refletir, ele traz à tona questões sexuais, estereótipos raciais e como é nascer dentro de uma sociedade que exclui e marginaliza. Ele fala sobre o lugar da escola, o que a escola transmite e possibilita”.
A engenheira Ívi de Carvalho trouxe para o público o conceito de empatia cognitiva, capacidade de identificar e entender as emoções, as perspectivas e pensamentos dos outros, dessa forma, compreendendo como a outra pessoa vê o mundo. A partir desta reflexão, ela avaliou a leitura.
“O autor escreveu um romance em segunda pessoa, o que é muito difícil e ele mantém isso de forma brilhante, além de conseguir trazer lista de filmes, músicas e livros. Ao final da leitura, ele consegue aumentar a empatia cognitiva de quem lê. Por favor, não percam a chance de ler ‘O Avesso da Pele”, relatou Ívi.
Para Carlos Alberto da Cunha Flores, conhecido como Kalu, o que mais o cativou no livro foi a maneira como o autor narra as histórias.
“Jeferson tem uma forma poética de escrever, o que me tocou muito foi a forma de descrever as abordagens que ele vivia. Na obra, o autor narra sete tipos de abordagem policial e em nenhum momento vemos ele escrevendo com raiva. Quando terminei de ler o livro, vi algumas entrevistas com ele, onde conta que começou a escrever depois de ouvir Legião Urbana e Racionais MC’s. A paixão dele pela música influencia também a forma de escrever”, interpretou Kalu.
Para finalizar o bate-papo, o historiador João Heitor Macedo compartilhou com o público como se sentiu após ler o livro: “Me encontrei na narrativa, nos afetos e nas violências. O Jeferson Tenório conta uma história no Brasil que eu sinto na pele. O autor está incentivando as temáticas negras nas escolas. Será que a censura não foi uma cortina de fumaça? Para não debater o tema principal: racismo. Deixo o convite para que vocês leiam autores e autoras negras”.
O final do encontro foi marcado por emoção e lágrimas, João Heitor deixou uma homenagem ao amigo e docente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que faleceu na última semana: “Um agradecimento a Jorge Luiz da Cunha que foi o professor que me ensinou a contar minha própria história e a narrar as histórias dos outros”.
Texto: Heloisa Helena Canabarro (Mtb: 21.562)
Jornalista responsável: Letícia Sarturi (MTB 16.365) – BAH! Comunicação Criativa
Foto: Ronald Mendes