Ailton Krenak, escritor e ativista socioambiental, fala sobre implicações da relação humana com a natureza e reflexões sobre o presente
O convidado desta sexta-feira no Livro Livre é sinônimo de atemporalidade. Ailton Krenak, ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas, preserva o direito à memória ao passado de seus ancestrais, escancara as mazelas do sistema presente e indica os caminhos possíveis para um futuro mais comprometido ambientalmente.
Logo no início da conversa o escritor já demonstrava toda sua sensibilidade com outras pessoas e ambientes. Com elogios ao cenário, destacando o painel com a arte da Feira desta edição, Krenak foi perspicaz ao reparar a presença de seus dois livros na mesa de centro entre as mediadoras da noite, as jornalistas Liciane Brun e Pâmela Matge. É através desse olhar observante que ele tenta superar a falta de encontros pessoais que a pandemia nos impõe. “A presença humana é insubstituível. Por mais que sejamos favorecidos por essa tecnologia, que nos permite estarmos a centenas de quilômetros, fazendo esse encontro, nós sabemos que há uma perda muito grande de qualidade na convivência. A convivência humana é insubstituível”, assegura. Em seguida, agradeceu a oportunidade de estar participando do evento, mesmo à distância, e frisou que espera em breve estar presente, trocando experiências com o público e outros escritores.
Ainda sobre a pandemia, ressaltou que ninguém se adapta às novas imposições ao proceder. “Em todas as oportunidades que tenho de comunicação com pessoas de fora do meu convívio, elas reclamam. Se ressentem da falta de se deslocar de um lugar para outro. Para além de se encontrar com outras pessoas, fica suprimida a ideia de outras paisagens, de você circular por outros lugares”, constata ao argumentar que viagens inspiram seu pensamento.
Perguntado sobre o preço que estamos pagando com a disseminação do vírus de Covid-19, em referência ao seu livro ‘O Amanhã Não Está à Venda’, destacou que é um preço alto demais, onde nós, humanidade devemos fazer uma inflexão e olhar bem se é isso que queríamos para o futuro. “A minha observação é como pensamos só na gente mesmo. Como a gente tem pouca implicação ao olhar uma floresta pegando fogo. Quando vemos uma floresta pegando fogo queremos no máximo ficar longe. São poucos os que se preocupam com o porquê da floresta estar pegando fogo”, analisa.
Reconhecido como uma das principais vozes atuais sobre questões socioambientais, a história de Krenak ganhou destaque muito antes do que muitos imaginam. Participante da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, o líder indígena figurou um dos fatos mais emblemáticos da história do Brasil. Ao discursar na tribuna, pintou o rosto com a tinta de jenipapo, utilizada nas cerimônias de luto, para protestar contra o retrocesso na luta pelos direitos indígenas. “Essa memória é muito viva para mim. Não consigo imaginar ela há 30 anos. Eu imagino como uma experiência muito recente, que ainda faz parte do meu cotidiano. Eu fico admirado por ela ter perdurado. Pra mim é natural que eu me lembre daquele gesto. Mas que pessoas ao redor do mundo o reconheçam, como um gesto marcante, me deixa muito orgulhoso”, revela.
Esse momento remete a toda sua história de ativismo, onde afirma que, mesmo pessoas que não leram os seus textos atuais, quando visualizam aquela imagem, entram em contato com a ideia que a Terra é a nossa mãe, que é sagrada. Sendo essa, a chance de experimentar um sentimento de gratidão em estar vivo e estar habitando-a, sentimento que sempre o moveu.
Ao confrontar o capitalismo com a realidade social, Krenak relembrou os 30 milhões de brasileiros que se encontram abaixo da linha da pobreza, não sabendo o que irão comer no dia seguinte.”Eu acho que a dinâmica do sistema mercantil, capitalista e financista é incontrolável. Enquanto tiver dinheiro e riqueza matéria no mundo, o capitalismo vai se expandir. O que devemos pensar é na educação, para não ficarmos tão vulneráveis a qualquer sistema”, avalia.
Questionado pelo público quanto à presente prioridade humana, em referência às viagens espaciais, Krenak citou o poeta Carlos Drummond de Andrade, ao rememorar o poema ‘O Homem; as viagens’, presente em sua obra ‘A Vida Não é útil’. Para ele, a escrita do mineiro é como um escudo diante de tanta distopia e das escolhas absurdas que nós, humanidade, fizemos. “Nós especulamos a partir da Terra ir para a Lua, para Marte. Esse sujeito que gasta milhões está muito longe de fazer uma viagem em si. Tem muitos tipos de pobreza. Tem a pobreza de quem não sabe o que vai comer amanhã, mas tem a pobreza que é de quem precisa dar volta na órbita da Terra para ficar satisfeitos”, afirma.
A respeito do Marco Temporal, ação que restringe o direito amplo à terras indígenas, entendimento que limita o reconhecimento à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, o escritor compreende que se trata de uma violência jurídica que desrespeita a constituição, impactando na sociedade e “não só no meio ambiente e nos recursos que são relacionado com esses território. Parece que ele se refere só à questão dos direitos indígenas, mas na verdade ele se refere a liberar para o mercado privado territórios que são equiparáveis a unidades de conservação. Passando a ser disponibilizado para um uso que não é comum e que não é do interesse coletivo”, reforça.
Nos instantes finais do Livro Livre, o convidado da noite respondeu ao questionamento do que é felicidade para um Krenak. “Conviver, ter tempo para olhar os outros e para ser visto”, falou sem hesitar.
A Feira do Livro ocorre até 16 de outubro, com programação híbrida na Praça Saldanha Marinho, no Theatro Treze de Maio e nas redes sociais da Feira. Na noite de 9 de outubro o Livro Livre terá apresentação musical do duo Aroma. O público poderá conferir pela transmissão nas redes sociais da Feira do Livro de Santa Maria e no Theatro Treze de Maio.
Texto: Nathália Arantes – acadêmica de jornalismo da UFN
Jornalista responsável: Liciane Brun – MTB 16.246