Pelas vísceras do mundo e da palavra de Débora Noal
A última noite de bate-papo no Livro Livre foi marcada por um bate-papo visceral com a psicóloga Débora Noal. Santa-mariense, Débora trabalhou em mais de 15 missões de ajuda humanitária junto à organização Médicos Sem Fronteiras ao redor do mundo.
Esteve presente em terremotos no Haiti, guerras no Sudão, na epidemia do Ebola na República Democrática do Congo e em muitos outros conflitos armados e desastres.
Todas essas experiências, até então guardadas em um diário, sua “caixa de fragilidades”, transformou-se no livro O Humano do Mundo, assunto principal do bate-papo da noite na 47ª Feira do Livro de Santa Maria.
Mediada pela jornalista Vanessa Backes e pelo professor Andrei Cerentini, a conversa trouxe memórias de Débora acerca de suas dezenas de missões, sua experiência com a escuta cuidadosa e histórias dilaceradoras que vivenciou nas suas várias missões.
“Eu costumo dizer que tenho raízes aéreas, e percebo hoje que essas raízes são muito maiores do que eu imaginava. Tenho orgulho dessa construção, uma sensação boa, com orgulho de saber que sou desse lugar”, comentou, no início do bate-papo, ao lembrar da sua ligação Santa Maria, sua cidade natal.
Débora também falou sobre como é trabalhar em uma situação extrema, como em um terremoto, onde ‘a urgência do outro é também a nossa urgência’.
‘Mesmo trabalhando em um atendimento de urgência, como o Samu, a urgência é do outro. Em um evento extremo, a urgência do outro é a tua. O chão que está tremendo num terremoto é o mesmo chão que treme pra você. O medo existe o tempo inteiro. Mas a gente não vai sem medo. A gente vai apesar dele. Se você tem algum prazer de viver nessa vida, você tem medo. Mas a sensação de cuidar do outro e fazer a diferença na vida do outro é infinitamente maior do que o medo” – reflete.
A autora relatou situações vivenciadas com o choque cultural. Débora leu um trecho do livro em que conta de Marie, personagem que conheceu em uma de suas missões. Em um relato emocionado, contou da saga da jovem que perdeu o marido e cinco dos seis filhos, além de ser violentada por dezenas de homens.
– Enquanto muitos de nós estão relaxados agora depois de um dia de trabalho, existem milhares de Maries passando pela mesma situação – comentou.
Perguntada sobre qual conselho daria para um psicólogo que gostaria de seguir os mesmos passos, Débora respondeu:
– Viva de verdade, com os cinco sentidos. Nesses lugares em que trabalhamos com a humanitária, eles querem que também falemos da gente. Precisamos ouvir, de fato, com os cinco sentidos. Por isso a minha dica é: viva de verdade. Conecte-se com você e com o que você está sentindo. Existe uma linguagem humana que não está no significado da palavra. Você só pode fazer um atendimento quando se conecta com o seu corpo, que está conectado com o corpo do outro. E aí, mesmo sem falar a mesma língua, o outro sente – reflete.
A psicóloga finalizou respondendo de que maneira busca se conectar com a esperança e com a humanidade:
– Sou uma sonhadora. Realmente acredito no humano. Tem muito mais gente afim de fazer algo diferente do que pessoas a fim de desconstruir. O que acho é que estamos desorganizados. Mas quando nos reconhecemos no lugar do outro e estabelecemos redes que produzem diferença, cada um tem um espaço nesse maquinário todo. Precisamos saber como a gente se organiza. Por isso a importância de tecer redes.
Se você perdeu o bate-papo com Débora Noal, pode acessar no Facebook e no Youtube da Feira do Livro de Santa Maria.
Fotos manchete/matéria: Ronald Mendes