No Livro Livre, Martha Batalha chama a atenção para o tempo perdido e contextos femininos da atualidade
A noite desta terça-feira contou com a presença virtual da escritora recifense Martha Batalha, autora das obras ‘ A vida invisível de Eurídice Gusmão’, livro de estreia, e ‘Nunca houve um castelo’. Erradicada na Califórnia, a autora foi finalista do prêmio São Paulo de Literatura e semifinalista do Oceanos. A conversa foi mediada pela jornalista Vanessa Backes e pelo professor de filosofia Andrei Cerentini.
O bate-papo iniciou falando sobre a pandemia e o impacto na vida de quem escreve. Batalha afirmou que a rotina de vida de um literato é monótona. No seu caso, ela relata que redige todos os dias, e, quando não está criando, está lendo. “Tenho uma vida muito simples. Eu preciso dessa vida simples para colocar toda a minha energia na escrita.” afirma.
Com dois romances publicados, a escritora anunciou que está terminando seu terceiro livro, onde retorna à Tijuca, localidade em que desenvolve a narrativa de ‘A vida invisível de Eurídice Gusmão’. A ficção, ainda inédita, conta a história de um policial com 70 anos que, desgostoso com a sua existência, decide não mais viver. Tudo muda quando ele passa a conviver com uma dona de casa com quem recorda e compartilha suas memórias.
Os contexto e as vivências de seus personagens são marcas da escrita de Martha, onde há uma presença forte de personagens femininos. Com muitos sonhos abandonados, Eurídice, protagonista do seu livro de estreia, retrata, através de sua vida, as consequências de encontrar-se diante de uma sociedade machista. “Quando a gente fala de machismo, temos que o fazer com uma certa ironia, deboche. Essa é a forma que encontrei para falar sobre o machismo, que ainda é muito forte na sociedade brasileira”, explica. Além dos enredos com personagens mulheres, Martha Batalha enxerga como outro principal tema de suas tramas a questão do potencial perdido.
Para ela, é importante falar como certas regras da sociedade limitam a capacidade e a vontade das pessoas de crescerem.
Questionada sobre os leitores se reconhecerem na sua literatura, afirma que umas das maiores habilidade de quem escreve é a intuição, a percepção do que é mais comum na sociedade. “Eu criei a Eurídice, mas ela não é uma mulher. Ela é uma amálgama de várias mulheres que conheci ao longo da minha vida”, declara.
O público abriu a rodada de perguntas indagando como foi, para a autora, ver o livro virar filme. Batalha afirmou que acha muito difícil comparar livros com suas adaptações para o cinema, por se tratarem de dois produtos com muitas diferenças.
A autora fez uma análise sobre a realidade vivida por mulheres do passado com as do presente.
“Eu acho que estamos passando uma situação muito difícil. Testemunhamos muitos casos de feminicídio no Brasil. Se você buscar por feminicídio no Google, toda semana vai ter um caso com nomes de mulheres diferentes. Me sinto um pouco impotente, não sou eu que tenho que estar discutindo essas questões. São os homens. Esse assunto deve estar nas mesas de bar, nos jogos de futebol, os homens precisam entender que é um problema deles e eles têm que aprender a lidar com isso – analisa.
Lendo jornais sensacionalistas dos anos 1960, em pesquisa para o novo livro, Batalha identificou muitos crimes em que o adultério era apenas culpa da mulher. Porém, a romancista é positiva sobre os novos tempos. “Após ler tantas notícias durante a apuração, podemos ter esse pensamento positivo que tudo vai melhorar. A sociedade está evoluindo. Tem muita gente brilhante falando ( sobre machismo e racismo) nas redes sociais”, conclui.
Sobre as perspectivas depositadas em suas obras, ela explica que o escritor pode escrever sobre o que quiser. A liberdade criativa é compreendida como essencial para a construção das ficções para uma literatura viva. Por isso há a presença de narradores com muita força na sua escrita, precisando dessa voz para sentir que há vida no seu texto. “Eu converso com os livros. Todos são muito riscados. Quando eu gosto muito de um livro, eu acabo dissecando como fosse um sapo numa aula de anatomia” – apresenta o seu lado leitora.
A autora finalizou o encontro virtual aconselhando quem quer começar a escrever. “Leiam bastante e aprendam a se editar. A escrita é um processo, com uma parte muito intuitiva e outra muito pragmática. O desafio do escritor é equilibrar essas duas características do processo criativo”, ressalta.
A Feira do Livro ocorre até 16 de outubro, com programação híbrida na Praça Saldanha Marinho, no Theatro Treze de Maio e nas redes sociais da Feira. Na noite de 6 de outubro o Livro Livre traz um bate-papo com o escritor Itamar Vieira Jr. O público poderá acompanhar o diálogo pela transmissão nas redes sociais da Feira do Livro de Santa Maria.
Texto: Nathália Arantes – acadêmica de jornalismo da UFN
Jornalista responsável: Liciane Brun – MTB 16.246