Livro Livre: As reflexões de Daniel Munduruku sobre o tempo
De coração aberto e feliz! Foi assim que nesta terça-feira (3), o escritor e professor Daniel Munduruku recebeu o público que lotou o Theatro Treze de Maio na décima segunda noite de Livro Livre (Confira a galeria abaixo). Ao cumprimentar os presentes com uma saudação do povo munduruku, o paraense apresentou a importância desse ato diante do real interesse em ouvir o outro.
“Desde criança a gente aprende que quando chegamos perto de alguém querendo cumprimentar de verdade, a gente tem que olhar nos olhos da pessoa, e olhando nos olhos a gente faz essa pergunta: ‘xipat?’ (tudo bem?). Aí a pessoa cumprimentada tem a obrigação de falar a verdade, ela não pode mentir. Porque dizem os nossos avós que os nossos olhos não mentem”, explica o escritor.
Durante mais de uma hora e meia de fala, Daniel levantou risadas e reflexões da plateia. Com leveza na condução da apresentação, o escritor não deixou de ser enérgico diante de temas caros para si, como a concepção de tempo para os indígenas.
Segundo o convidado do Livro Livre, o tempo indígena não é linear, diferentemente do tempo ocidental.“O tempo do indígena é a natureza. (…) Só existe o passado e o presente entre os indígenas. Não existe a palavra futuro. O passado serve como uma referência e o presente uma atualização dessas referências”, aponta Daniel.
Perspectivas ocidentais sobre as crianças
Com uma extensa lista de livros destinados ao público infantil, tendo muitos recebido o selo Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), Munduruku refletiu sobre as perspectivas de futuro diante do olhar ocidental sobre as crianças.
Segundo o escritor, a sociedade ocidental realiza uma pergunta que é a síntese de toda a sua educação: “o que você vai ser quando crescer?”. “Nós nunca perguntamos a uma criança indígena o que ela vai ser quando crescer. A gente sabe de antemão que ela nunca será nada pelo simples fato dela ser tudo que ela já precisa ser”, relata o convidado.
Questionado pelo público se não está cansado por ter uma vida dedicada a ensinar e a falar para não-indígenas sobre a cultura e o povo munduruku, Daniel foi enfático ao comentar sobre a falta de posicionamento da sociedade.
“Eu acho que a sociedade brasileira é uma sociedade ferida, machucada. Acho que o Brasil tem um pouco disso, tem um pouco da mágoa dos povos originários com o restante da sociedade brasileira, que vê a coisa acontecendo do jeito que acontece e não se rebela a favor dos povos indígenas. Mas isso não acontece porque a sociedade não é tão consciente. A gente precisa reproduzir essa conversa um milhão de vezes – e eu já tô quase lá. É preciso reproduzir, reproduzir, reproduzir… para ver se uma outra história entra também na mente das pessoas“, desabafa Daniel.
Na quarta-feira (4), o Livro Livre receberá a estreia do curta-metragem santa-mariense “Cadê a nota?”. A programação completa do Livro Livre pode ser conferida aqui.
Texto: Nathália Arantes
Jornalista responsável: Letícia Sarturi (MTB 16.365) – BAH! Comunicação Criativa – Assessoria 51ª Feira do Livro de SM
Fotos: Ronald Mendes