FELIPPE D’OLIVEIRA – PRESENTE, PASSADO E FUTURO
Por: Leonardo Catto e Lucas Gutierres
Professor responsável: Rondon de Castro / Curso de Jornalismo (UFSM)
Fotos: Arquivo da UFSM
Revista Fora de Pauta / Nº 18 – Dez. 2017
Um pouco antes de agosto de 1890, a dona Adelaide Alves D’Oliveira ficou viúva após o assassinato de seu marido Felipe Alves D’Oliveira. Viviam–se momentos de tensão política no estado do Rio Grande do Sul. As rusgas e dissidências entre federalistas e republicanos afetava diretamente a vida de quem se engajava nessas causas. Adelaide já tinha um casal de filhos e aguardava o terceiro quando o marido foi morto devido a questões políticas.
Alguns anos depois, a criança que nasceu no meio de tais tensões e o assassinato do pai viria a se tornar parte do “grupo de intelectuais, ativo e engajado no Brasil a ser construído”. Assim definido o nicho em que o nosso personagem se estabeleceu, de acordo com o professor do curso de Letras da Universidade Federal de Santa Maria Pedro Brum Santos. Seu nome era Felippe, um dos maiores poetas e escritores que já passou por Santa Maria da Boca do Monte.
Sem pai,
Mas com mãe
Deixou a Boca do Monte
Para viver o mundo
Felippe D’Oliveira viveu pouco em Santa Maria. Os últimos 10 anos do século XIX foram os seus primeiros de vida. Na virada para os 1900, ele deixou a cidade com destino a capital Porto Alegre. Lá, encontrou aquele que representou uma figura paterna: o tio João Daudt Filho.
João era um apoiador da cultura. Viveu em Santa Maria, segundo o professor Pedro Brum, como uma espécie de “mecenas”. Prova disso, é o seu trabalho como um dos fundadores do Theatro Treze de Maio. Certamente uma influência para o poeta. Não apenas no meio cultural, mas nos negócios. João Daudt foi o primeiro farmacêutico formado de Santa Maria. Abriu farmácias aqui e as levou para a capital. Mais adiante, Felippe também se graduaria em Farmácia em Porto Alegre e integraria os negócios familiares.
A mudança de cidade do pequeno Felippe ilustra, já cedo, a pessoa que ele viria a ser. Um cosmopolita, desapegado a localidades. Além de que foi na capital que teve a oportunidade de interação com grupos de intelectuais ainda na adolescência. Na efervescência da vida pré-adulta, o frequentador do Teatro São Pedro já escrevia para o Correio do Povo como crítico de teatro.
Não há limites ou fronteiras
O teatro, a poesia
Pois se acompanho e escrevo sobre tudo
Por que não faço minha parte?
Passou a não apenas apreciar e escrever sobre arte. Junto dos simbolistas de Porto Alegre, começou a esboçar poesias. Aos 21 anos, em 1911, publicou seu primeiro livro, “Vida Extinta”.
Os negócios da família cresciam. A então farmácia virou laboratório, e João Daudt mudou–se para o Rio de Janeiro. O crescimento dos negócios e o desapego de Felippe a locais deram carona para o poeta ir também à antiga capital nacional. Lá, a família inteira se estabeleceu. O professor Pedro Brum os coloca praticamente como “inauguradores da Indústria Farmacêutica no Brasil”.
No Rio, Felippe repetiu a adaptação que teve em Porto Alegre. Logo se tornou ativo na vida intelectual e na boemia, vivendo a Belle Époque carioca. Passou a ser um nome da cena literária do Rio, ao lado de outros como Álvaro Moreyra e Graça Aranha.
Ah, a boemia, a beleza e a bela época
Como é maravilhoso o Rio
Do futuro moderno
Próximo dos anos 20, e com a ebulição modernista, Felippe tem seu papel no movimento, ainda que moderado. Em 1926, publicou seu segundo livro: “Lanterna Verde”, de escrita mais afinada com o grupo dos dinamistas cariocas.
Os dinamistas eram modernistas que buscavam se alinhar com o modernismo português. Sua escrita tinha a intenção de expressar as sensações, a percepção de cenários através dos sentidos humanos e, sobretudo, a sinestesia. Assim pode ser classificada a poesia do “Lanterna Verde”: dinamista, menos experimental e menos debochada que os paulistanos (que tiveram ícones como Oswald e Mário de Andrade).
Para saborear teu cheiro
Sentir teu gosto com minhas mãos
Escrevo a poesia dinamista com os olhos e ouvidos
No final dos anos 20, a vida de Felippe tor-na-se mais rápida que sua baratinha (Ford 1929). Ele já estava estabelecido como um grande intelectual e cidadão do mundo. Tal posição favoreceu a formação de Felippe D’Oliveira como um diplomata. Ao lado de três Joãos: o irmão, o tio e o deputado João Neves da Fontoura, ele arquiteta a candidatura de um são-borjense à presidência da república nas eleições de 1930.
Getúlio Vargas foi derrotado nas eleições, mas as relações com o grupo em que Felippe se inseria foram mantidas e cruciais para a sequência da história brasileira. O escritório da família Daudt/Oliveira no Rio de Janeiro serviu de sede da conspiração para a revolução de outubro de 1930. Além disso, Felippe viajou pelo Brasil fazendo os contatos de apoio para o movimento. Estava no centro do país (Rio), fazia ligações no nordeste com João Pessoa, em Minas Gerais com Antônio Carlos e no sul com Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha e Batista Luzardo. Também foi responsável por elaborar o código de comunicação entre os revolucionários.
A notoriedade de Felippe e sua grande rede de relações justificam as aspas quando se diz que a articulação da revolução foi “às escondidas”, pois era de conhecimento comum que havia movimentos nos bastidores políticos. Em outubro, aconteceu a deposição do presidente Washington Luís e posteriormente a não posse do eleito Júlio Prestes, levando ao governo provisório de Vargas. Toda essa grande articulação fez com que a literatura ficasse de lado na vida de Felippe. Ele passou a ser sócio da empresa Daudt & Oliveira e mais diplomata do que poeta.
Sempre há um momento
Em que a poesia fica de lado
Para as coisas que mais importam
O que importa?
Entretanto, não foi unânime o contentamento com Vargas após sua posse. Um grande grupo avaliava o governo de Vargas lento demais para as reformas que havia se proposto a fazer. A materialidade desse descontentamento foi a Revolta Constitucionalista de 1932. Apesar de estar no Rio de Janeiro, Felippe apoiou os paulistas constitucionalistas. No mesmo ano, a revolta foi derrotada. O apoio de Felippe seria punido não fosse sua fuga em exílio na França.
No ano de 1933, faleceu em um acidente de carro na capital francesa, Paris. De Santa Maria, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Paris, viveu o mundo. Foi simbolista e modernista, mas não conseguiu resistir a uma morte romântica.
Não há escapatória da morte poética
Ela cabendo ou não dentro da métrica, vai se adaptar
Aparece, no assassinato antes do nascimento
E no fim volta para buscar o poeta e seu talento
Na análise do professor Pedro Brum, a obra de Felippe D’Oliveira tem sido valorizada em Santa Maria. “Bem mais que no restante do país”, complementa o professor, que fez sua dissertação de mestrado sobre o Felippe no final dos anos 1980. Antes de Pedro, a obra também fora revisitada como objeto de pesquisa por outros professores. Lígia Militz da Costa, por exemplo, é responsável pela organização e produção de obras referentes a Felippe D’Oliveira e palestras sobre o poeta.
Ainda no Rio Grande do Sul, a PUCRS foi responsável por juntar nomes como os professores Pedro Brum, Lígia Militz e Maria Eunice Moreira (professora da PUC) em um projeto de valorização dos escritores gaúchos. A partir disso, foi lançada a primeira edição da obra completa de Felippe D’Oliveira no início dos anos 1990, reeditada pelos mesmos organizadores recentemente.
O professor Pedro Brum ainda destaca que a rememoração da obra em Santa Maria é justa, e lamenta que não seja feita em mesma escala no restante do país: “As figuras públicas que ficam são poucas quando a gente olha nesse parâmetro do tempo que passa e a história que fica”.
Atualmente, o que leva o nome do poeta mais longe é o Concurso Literário Felippe D’Oliveira. Com o objetivo de dar espaço a escritores emergentes nos gêneros de conto, crônica e poesia, o Concurso foi instituído no ano de 1977. A lei responsável por sua instituição foi de autoria do vereador Orcy de Oliveira.
No ano seguinte, ocorreu a primeira edição do concurso. Em paralelo, acontecia o Concurso Fotográfico Cidade de Santa Maria, proposto pela vereadora Maria Rita de Assis Brasil. Desde então, ambos os concursos são realizados juntos.
Secretária de Cultura de Santa Maria entre 2010 e 2013, Iara Druzian, declarou que o concurso “coloca Santa Maria no cenário da literatura brasileira e está entre os maiores eventos literário do Brasil”, escreve em um dos prefácios do compilado de vencedores do Concurso entre 2009 e 2012.
Hoje, os nomes que compõem o cenário literário de Santa Maria são outros. Apesar de novos tempos, a qualidade atual pode ser considerada tão grande quanto foi com Felippe. E ainda muitos desses escritores passaram pelo Concurso como premiados e comissão julgadora.
Nascido em Mata, chegou a Santa Maria aos 14 anos, onde posteriormente ingressou na faculdade de Geografia. Nos primórdios de sua vida acadêmica teve seu primeiro contato com a literatura que o inspirou a iniciar sua escrita: “Comecei a ler Ferreira Goulart, Drummond, Fernando Pessoa. O momento que eu acho que eu posso escrever quando eu leio Mario Quintana, me faz pensar que é fácil”.
Após suas primeiras leituras, decidiu trocar a Geografia pelo curso de Letras, o qual demorou a finalizar por começar a trabalhar nos correios, o que mantém até hoje, dividindo seu tempo entre o emprego e a escrita: “O problema é que eu preciso sustentar um vagabundo, que, no caso, sou eu mesmo.” Ele venceu um concurso literário pela primeira vez em 2003: foi o prêmio Felippe D’Oliveira na categoria poesia. “A primeira coisa que fiz quando ganhei foi comprar uma cafeteira e a obra completa do Manuel Bandeira em um sebo.”
A poesia de Odemir explora o cotidiano sem deixar de lado a estrutura e o estilo clássico. O poema “Cinco Marias” foi premiado no concurso Felippe D’Oliveira 2017 na seção incentivo local:
“[…] espalhadas como rizomas
corpos de pano ou pedra
(no silêncio duro de pedra)
– em qual Maria deste mundo
há de caber nossa fala?
– qual a palavra, Maria, que calas?
(cinco contas de Maria,
em qual delas caberia
o delicado arco dos dedos?)
te recebo (única) Maria, sem alarde
e sem medo, na delicadeza rude da palma…
ciranda na alma que se abre […]”
Nascida em Santa Maria, ela diz que tem “raízes profundas” na cidade. Conta, também, que a literatura fez parte da sua vida desde a infância: “Quando comecei a ler, gostava de ler e modificar as histórias, criar a minha própria versão.” No entanto, foi apenas aos 20 anos que Denise começou a se dedicar e se identificar com a poesia.
Denise afirma que a poesia foi se intensificando nela. Com o tempo, sua obra foi se aperfeiçoando e amadurecendo. A escritora já foi premiada no concurso Felippe D’Oliveira em diversas ocasiões, incluindo o primeiro lugar. Além disso, ela participou da comissão julgadora na edição mais recente da premiação. “Eu nunca consegui ver o mundo sem a poesia. Para mim, o mundo sem ela não existe”, conclui.
O poema “O Cego” ficou em segundo lugar na categoria poesia em 2016:
“[…] o olhar não basta
a silente poética
que solfeja devas
– chorem as rosas
– desfolhem as horas
o amor é engano
quando vê o que olha […]”
Escobar nasceu em Fortaleza dos Valos, região central do Rio Grande do Sul, cresceu em Pejuçara e chegou a Santa Maria para cursar a faculdade de Letras, a qual posteriormente trocou pelo curso de Jornalismo, em Santa Catarina. Hoje em dia, além da escrita, trabalha lecionando literatura e realizando palestras.
Ele conta que passou a se interessar pela escrita na infância, ao ouvir uma declamação pela primeira vez, em sua cidade natal: “Em cidades pequenas não há muito o que fazer. O que mobiliza muita gente por lá é o futebol e os rodeios. E foi em um rodeio a noite em que eu ouvi um sujeito declamar um poema, o que me deixou muito impressionado”.
Escobar já recebeu menções honrosas no concurso Felipe D’Oliveira na categoria crônica, e já foi convidado a participar da comissão julgadora, no entanto, ele recusou: “Não quero fazer esse papel, sei que é muito difícil ser julgador”.
O poema “Destilado” faz parte de seu mais recente livro livro, “Borges Vai Ao Cinema Com Maria Kodama”
“Leminski brindava e libava o idioma.
Meu pai tomava e tratava a língua.
Leminski sempre tinha no bolso
uma caneta.
Meu pai sempre trazia na cintura
uma faca.
Leminski falava água
em latim, hebraico e polonês.
Ninguém traduzia o português
que meu pai vomitava.
Leminski bebia um gole,
cofiava o bigode
e escrevia um haikai num guardanapo.
Meu pai virava o copo,
entortava a boca
e riscava o calçamento à faca.
Por isso eu bebo.
Por isso eu escrevo.”